Sarau

Texto que eu fiz quando cheguei no Sarau na última sexta, lá no jardim do Instituto Sigmund Freud. Fui a única que fez a poesia na hora. Acho que seria uma boa ideia criar essa modalidade de “poema express ” nos Saraus.

Um jardim no meio do concreto

Almas em busca do abstrato

Iguais aquelas de um lindo vergel francês do século passado.

Lâmpadas se misturam com velas.

A luz presa me lembra uma cela.

Enquanto chamas dançam livres conforme o vento.

Fim do Outono

O sol toca meu corpo, o vento penetra na minha alma, os pássaros sussurram no meu ouvido.

Sinto arrepiar meus pelos.

Estou nua e só deitada num jardim de uma tarde de outono.

Não quero ninguém comigo. Me desprendi de tudo, até das minhas vestes…

Só quero ser tocada pelos raios do sol.

Agora que sou eu, a natureza cai sobre mim leve como um suspiro.

O verão se foi, mas queimou pra sempre meu coração.

As folhas do outono são como as vestes de um passado que se vai pelo chão e que não quero mais vestir.

Res peito

Estuprar é forçar alguém a ter relação sexual contra a vontade.

Não interessa se mandou fotos ou vídeos sensuais.

Não interessa se viajou de longe.

Não interessa o seu passado.

Para alguns homens, a conquista acaba quando a mulher entra no quarto.

Como se fôssemos uma presa que, depois de abatida, vira uma pedaço de carne sem vida ou vontade.

Uma carne que servirá para saciar a fome do caçador e que perdera a autonomia ao se deitar numa cama.

Que já não poderá desistir, mesmo que se sinta ofendida ou machucada.

No fundo, todas as mulheres querem ser bem tratadas. Isso é mais importante do que pagar jantares ou viagens.

Aliás, alguns acham que, por pagarem coisas materiais, têm o direito de tratá-las como objetos.

Pra mim homem de verdade é aquele que trata com respeito todas, até mesmo uma prostituta.

Julgamentos

Hoje atendi uma paciente de 45 anos, magra e bonita. Ela possui miocardiopatia dilatada grave e sofre de limitações causadas pela doença. Ela mora no quarto andar de um prédio sem elevador. Hoje uma “vizinha” xingou ela gratuitamente dizendo:

-Não aguento te ver subir essas escadas tão devagar e se agarrando no corrimão. Pare com isso, por favor!

Ela ficou surpresa. Certamente a vizinha não entende a sua doença devido a boa “aparência”.
Gosto muito de conversar com essa paciente. Ela é de uma classe social mais baixa e certamente não estudou tanto quanto eu, mas mostra uma sinceridade e uma maneira madura de encarar seus problemas. Não tenho dificuldades com as fragilidades humanas. Talvez por isso tenha escolhido ser médica. Essa paciente poderia ser tranquilamente uma agradável amiga e ir tomar um café lá em casa…
Agora pensei nas pessoas que são como essa vizinha que saem julgando sem saber. O mundo está cheio delas… Pois bem, eu quero distância desse tipo. Podem ser milionários, bonitos, ter pos-doutorado etc: prefiro distância.

“Patriotas”

Não gostam de carnaval.
Odeiam o Nordeste.
Não tem nenhum familiar negro ou índio, mas acham que essa coisa toda de “preconceito “ é puro mimimi.
Não gostam de samba, abominam o funk etc, mas escutam gangsta rapp e ainda acham o máximo o sertanejo meloso americano.
Abominam artistas brasileiros. Vão ao cinema só pra ver filmes estrangeiros de super heróis.
Acreditam num único Deus branco Cristão e esquecem dos irmãos que são Ateus, Budistas, Indígenas ou que acreditam nas religiões afro.
Adoram armas e ficam fazendo gestos com as mãos, ironizando o “diferente”, mesmo morando num país que tem como símbolo um Cristo de braços abertos.
Essas mesmas pessoas são aquelas que mais vejo postarem coisas com a bandeira do nosso país se dizendo “ patriotas”.

Margs 2

Portinari é um dos meus favoritos.

Como não se emocionar vendo esse menino concentrado fazendo uma pipa, num deserto sem vento, ao lado de um burrinho assustado?

Quem nunca se viu como esse menino? Focado em fazer coisas sem sentido… Muitas vezes a nossa vida parece assim.

Quem nunca se sentiu como esse menino, talvez nunca tenha pensado a fundo sobre a existência humana.

Sobre princesas…

Estou na torre de um castelo de alabastro.

Fui eleita a mais nova e alva rainha.

Sem saber se isso seria a minha sina.

Sai com a pequena cândida princesa para brincarmos no bosque de lama das verdades.

Ao voltarmos, sujamos o fulcro do castelo.

Toda a realeza nos condenou com olhares desasseados: Voltamos para torre..

Desconfio que esses olhares reflitam almas enodoadas. Será que são felizes?

Por que nosso reino precisa ser tão abstergido?

Não me sinto alva, tao pouco me sinto impura.

Talvez eu prefira beber um gole do néctar matizado do que me banhar numa tina de água asséptica e sem gosto.

Olho para a princesa e pergunto: Será que conseguiremos tornar lídimo esse castelo?

Mas no seu sorriso não encontro uma resposta.

Desejo um Homem

Desejo um homem com quem eu não precise insistir para dançar comigo.

Desejo alguém que decifre meu olhar e me tire para dançar.

E, caso ele não queira, que não se incomode que eu vá sozinha.

Que não se importe caso eu seja foco de olhares de volúpia.

Desejo um homem que não me interrogue sobre o meu dia quando chego em casa.

Trabalho com muitas dores. Não quero lembrar do que passou e também não quero saber se esqueci a louça na pia ou a calcinha no banheiro.

Como pode reparar em tantas coisas inúteis e não ver a gigante sombra no meu olhar triste?

Abalo teria se um dia chegasse em casa e me perguntasse como estou me sentindo.

Plenitude seria ter alguém que soubesse como me sinto só mirando-me de longe.

Desejo um homem que me abrace sem eu precisar dizer nenhuma palavra.

Que consiga me decifrar e dialogar comigo através de nossos olhares.

Desejo um homem que admire meu sucesso.

Que não se sinta minguado pelas minhas conquistas.

Para quem eu não precise esconder a minha inteligência.

Desejo um homem que não se envergonhe das minhas posições políticas.

Que me defenda quando eu for atacada por minhas idéias, aos invés de ficar calado vendo eu ser covardemente ofendida.

Desejo um homem que não desvalorize minhas prioridades.

Que entenda uma saída à noite para visitar uma amiga ou horas de trabalho fazendo um vídeo lúdico ou escrevendo poesias.

Desejo um homem que não compita com essas prioridades, me obrigando a fazer coisas escondida para não magoá-lo.

Aliás, desejo um homem que não me faça querer me esconder nunca. Que me liberte de mim mesma.

Será que esse homem existe?

Relacionamentos

Alguns homens já me tiveram, mas acho que nunca tive nenhum.

Nunca me senti dona de ninguém.

Alguns deles me vigiaram, me toliram…

Eu sempre fui a programada estátua.

A foto sem vida cobiçada no virtual.

Mas a admirada pintura inveja até uma pequena formiga por ela ter afã.

Estou ali presa na moldura de um mundo que eu mesma criei.

Vidas e amores estão num mesmo patamar.

Muitas vezes fui julgada por não vigiara: acusada de não amar.

Mas, se eu sou assim, por que todos insistem em me prender?

Será que existe uma forma livre de amar?