Nos tempos atuais de pandemia, desconfio de quem afirma ter certezas. Vejo muitas discussões a respeito de tudo, a maioria ao meu ver inúteis.
A classe médica, por exemplo, está dividida a respeito do tratamento precoce pra covid 19. Tenho amigos extremamente inteligentes e bem graduados, mas com opiniões distintas a respeito do assunto. Leio artigos favoráveis e desfavoráveis sobre a polêmica hidroxicloroquina. Alguns trabalhos ficaram mais famosos, pois foram publicados no New England, como é o caso do estudo do grupo Coalizão de São Paulo (com um resultado negativo). Contudo, nesse estudo a cloroquina foi usada em pacientes já numa fase avançada da doença e em doses muito mais elevadas do que a preconizada no tratamento precoce. Outro dado interessante é que não foi um estudo duplo-cego, isto é, tanto os pacientes quanto os médicos sabiam quais as medicações eram administradas aos grupos. Mas foi publicado no New England… Alguns vêem nisso alguma conspiração. Já escutei que a revista foi vendida para forças “ocultas” esquerdistas. Acho isso uma bobagem. A revista é feita por profissionais como nós. Obviamente, em tempos de pandemia, foi dada preferência para artigos sobre Covid-19, mesmo que não tivessem uma qualidade técnica tão absoluta, pois é o assunto do momento. Também não sou ninguém para tirar os méritos do trabalho de São Paulo. Toda informação é importante. As pessoas envolvidas estão de parabéns, contudo essa pesquisa não serve como argumentação para dizer que a cloroquina numa dose baixa e dada precocemente não tem efeito, pois isso não foi testado ali. Difícil acharmos um estudo perfeito. Em medicina, menos de 10 % das condutas são pautadas por ensaios clínicos randomizados com nível de evidência 1a.
Outra argumentação que escuto é: Tomei ivermectina, vitamina D e cloroquina e fiquei bem; logo o tratamento funciona. Isso também não é suficiente para pautar condutas. A Covid tem uma mortalidade baixa. Seria possível a pessoa ficar “curada” sem fazer nada.
Outra argumentação ao meu ver errada é : Atendi alguns casos que tomaram o tratamento precoce e que foram entubados mesmo assim, então esses remédios não funcionam. Ora, nem todos melhoram com quimioterapia, mas ela deixa de ser indicada para tratar câncer? Nem todos pacientes respondem bem aos antibióticos numa pneumonia, mas vamos deixar de prescrevê-los? E o Tamiflu para influenza? Continuamos usando, mas ele não cura a gripe. Aliás vejo pessoas dizendo: A Covid não tem cura. E por acaso alguma virose tem? O que fazemos são tratamentos para uma evolução mais confortável e benéfica pro paciente. No herpes, a gente administra aciclovir com intuito de amenizar os sintomas e de evitar que o Herpes fique grave ao ponto de virar uma porta de entrada para outras infecções secundárias mais graves. Ninguém tenta curar o Herpes.
Os tratamentos médicos não surgem apenas de estudos populacionais. Deve existir uma base fisiopatológica para prescrição. A Cloroquina não tem ação protetora sobre os tecidos, mas sim, antiviral. E essa ação é potencializada pelo Zinco. Conhecendo-se fisiopatologia, é fácil saber que o vírus determina liberação de citocinas no pulmão que ativam a cascata de coagulação – via cascata do ácido aracdônico – com produção de tromboxane, leucotrieno B4 e consequente trombose em vasos pulmonares. Também há quebra da cadeia de hemoglobina com liberação de Ferro que depositado no pulmão é responsável, em parte, pela imagem em vidro fosco observada nas tomografias. Quem prescreve um antiviral, não o faz porque é “amigo do Bolsonaro”. Os médicos tem um
Código de ética a cumprir que determina fazer o que acham melhor para seus pacientes. Não devemos misturar política nisso tudo. O Maduro adotou a cloroquina e existem médicos em todo o mundo defendendo o seu uso. Não é coisa só de Brasileiros como alguns tentam afirmar. Como exemplo, cito o artigo “Pathophysiological Basis and Rationale for Early Outpatient Treatment of SARS-CoV-2 (COVID-19) Infection”. Escrito pelo Peter A. McCullough (Americano) publicado agora em janeiro de 2021 na American Journal of Medicine.
Não é fácil liberar um paciente do consultório com covid sem prescrever nada. No ato de prescrever está uma esperança muitas vezes ansiada. Essa decisão varia caso a caso e depende de um acordo entre médico e paciente (sem mais ninguém). Para muitos doentes, pegar uma receita significa vislumbrar um futuro. Ali pode estar o simbolismo de sua cura. Médicos que só fazem pesquisa e não atendem consultório talvez não entendam bem isso. No leito de morte, até mesmo alguns ateus clamam a Deus. Frente a uma doença que assusta tanto, oferecer algo a mais pode ser terapêutico. Sabe-se que as pessoas otimistas e que acreditam no seu tratamento evoluem melhor. Uma parte importante da medicina consiste em “aliviar o sofrimento”. Fazendo isso, podemos inclusive ajudar nossos pacientes a ativar mais o seu sistema imunológico.
No meu dia-a-dia, se eu vejo uma prescrição diferente da que eu faria e o paciente está bem, eu não modifico. Eu respeito a autonomia do colega. O importante são os pacientes ficarem bem, não é mesmo? Falar mal dos companheiros de profissão acho extremamente antiético. Sorte que alguns não dão bola para os “fofoqueiros” de plantão e continuam prescrevendo pensando nos pacientes e não pra agradar colegas ou instituições médicas.
Mas o meu objetivo aqui não é convencer ninguém a prescrever o tratamento precoce. Essa decisão é muito mais complexa, envolve muito mais leitura dos prós e contras. Vejo algumas entidades médicas condenando seu uso. Fico triste ao ver médicos serem chamados na direção de um hospital por prescreverem algo com baixíssimos efeitos colaterais, por não ser “politicamente” correto. Enquanto outros usam terapias pouco embasadas como a transfusão de plasma sem nenhum problema. Eu não critico quem usa ou usou plasma fresco, todos estão tentando salvar vidas. Porque essa perseguição, então? Porque demitir uma médica de um grande hospital porque prescreveu hidroxicloroquina? Onde está a autonomia do médico? Onde está a nossa liberdade? Outro dia, um colega foi punido no Facebook porque publicou o seguinte artigo “Risk of hospitalization for Covid-19 outpatients treated with various drug regimens in Brazil: Comparative analysis”. Esse artigo foi publicado agora em Novembro 2020 na “Travel Medicine and Infectious Disease” e foi censurado. Não acho que o Facebook seja composto de uma facção comunista (até porque o Maduro adora a cloroquina). O Mark Zuckerberg deve ter uma equipe de médicos e cientistas que formaram uma opinião contra o tratamento precoce ( que dificilmente mudará). Ai o Mark pede um parecer e essas pessoas determinam. Acho isso uma pena. Onde fica a liberdade de expressão?
A prerrogativa da ciência é a dúvida. A ciência está em constante movimento e evolução. Muitos tratamentos que no passado eram utilizados ( alguns até comprovados por ensaios clínicos randomizados) foram substituídos por outros, após novos estudos . Desconfio de quem tem certeza de tudo. A ausência de dúvidas mais me parece um dogma religioso. Nesses casos, o diálogo fica complicado porque com dogma não se discute. Se eu mostrar um artigo que saiu agora em janeiro de 2021 e a pessoa já está totalmente “Dogmatizada” sobre algo, ela nem conseguirá ler com atenção.
Finalizo dizendo que nenhum médico deve prescrever algo em que não acredita. Tampouco outros devem ser punidos por fazerem algo que acreditam e que, no mínimo, é controverso. Respeito a todos: tenho grandes amigos e conheço brilhantes médicos em todas as correntes de tratamento pra covid.
Alguns (contrários aos tratamentos precoces) afirmam que a vacina será o final da pandemia. Eu gostaria que fosse, mas vendo essas cepas novas da Covid ainda tenho dúvidas. Sigo com minhas incertezas, mas isso não significa que não devamos tentar. Eu tenho recomendando pra TODOS os meus pacientes a vacina, já que praticamente não possui efeitos colaterais. Tenho orgulho do Butantã. Bato palmas pra todos que estão trabalhando nessa pandemia seja com tratamentos ou vacinas. Sou do grupo que acredita que devemos tentar de tudo, não sou do grupo que não faz nada e só critica.
Colega médico, se você não concorda com esse texto, não precisa me responder. Saiba que eu respeito a sua opinião. Vivemos uma realidade cheia de incertezas. Só peço que você também respeite aqueles que decidirem prescrever algo além de dipirona pros seus pacientes com covid.
Espero sinceramente que os médicos se unam e parem de brigar, pois no fundo todos têm o mesmo objetivo que é o de salvar vidas e iríamos mais longe se estivéssemos unidos.